terça-feira, 16 de maio de 2017

Cefaléia por abuso de analgésicos

Sim, parece uma contradição, mas o uso crônico e abusivo de analgésicos é a causa mais comum de cronificação de dor de cabeça que os neurologistas (e arrisco-me a dizer, também os clínicos gerais) veem nos consultórios.
Dentre os piores, quero citar aqueles que contêm dipirona, pois são relativamente mais baratos e nem por isso menos perigosos, pois além do potencial de cronificação da dor podem causar a temível anemia aplástica, doença cujo tratamento se reduz ao transplante de medula óssea. Muitas pacientes se esquecem de que a dipirona também exerce um efeito hipotensor, e como as mulheres tendem a ter níveis pressóricos mais baixos o seu consumo pode levar a hipotensão, tonturas e até mesmo síncope (desmaio).
Na busca de alívio para o seu sofrimento, o paciente com cefaléia crônica acaba consumindo doses anormalmente elevadas de analgésicos variados, como paracetamol, a causa número 1 de morte em crianças por intoxicação exógena nos EUA, pois provoca necrose do fígado se ingerido em altas doses. A ergotamina ou dihidroergotamina consumida frequentemente e/ou em doses elevadas, além de cronificar a dor pode causar gastrite, aumento da pressão arterial, angina de peito, infarto do miocárdio em pacientes coronariopatas e mesmo 1 comprimido apenas pode ter efeito abortivo naquela paciente gestante desavisada deste possível efeito colateral.
É comum que vejamos pacientes com dor crônica começarem a consumir analgésicos mais potentes, como tramadol, cetorolaco de trometamina ou até mesmo codeína, morfina e derivados opióides. Muitos destes pacientes receberam as primeiras doses em pronto-socorro e até mesmo consomem tais analgésicos sob orientação e receita médica, embora obviamente a frequência e doses orientadas não tenham sido estas. Alguns pacientes retornam ao pronto-socorro várias vezes para receber tais medicamentos por infusão intravenosa, conseguindo alívio temporário porém perpetuando a dor no longo prazo.
O desenvolvimento de tolerância medicamentosa é comum quando falamos de analgésicos. O aumento da dose com a continuidade do consumo é necessário para obter o efeito conseguido anteriormente com uma dose mais baixa. Assim, vemos pacientes que inicialmente consumiam 1 a 2 comprimidos na semana e que com o passar do tempo chegam a consumir 2 a 3 caixas dos mesmos medicamentos neste mesmo período, sem ficarem livres de dor. O próximo passo é trocar para um analgésico mais potente do que o anterior, e reiniciar o ciclo de tolerância.
Muitos pacientes também costumam consumir verdadeiros "coquetéis" de analgésicos, misturando vários tipos diferentes, sem nem mesmo repetir a dose do anterior. Há pacientes que consomem cinco ou seis tipos diferentes de analgésicos no mesmo dia! O modo de consumir cada um destes analgésicos e suas doses também muitas vezes estão errados, o que certamente contribui para a sua ineficácia.
Só há uma maneira de combater este problema: após um correto diagnóstico, introduzir o tratamento preventivo e imediatamente começar o desmame dos analgésicos. Muitas vezes o diagnóstico nem sequer requer exames complementares, o que aliás é também um grande problema para certos pacientes, que insistem em fazer exames de imagem de repetição (obviamente todos normais) mas não aceitam a idéia de que têm uma cefaléia primária complicada pelo uso errado e abusivo dos analgésicos. No início, muitos tinham apenas cefaléia tensional e enxaqueca (os dois tipos mais comuns de cefaléia no mundo), como já demonstrado por uma infinidade de trabalhos científicos.
Abaixo, forneço (apenas) dois links para os mais "incrédulos".

href="http://iasp-pain.org/files/Content/ContentFolders/GlobalYearAgainstPain2/HeadacheFactSheets/6-MedicationOveruse_Portuguese.pdf">

href="http://http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/cristiane-segatto/noticia/2014/02/o-que-esta-por-tras-do-babuso-de-analgesicosb.html">